Na semana em que se completa um ano da tragédia em Brumadinho, o MP/MG denunciou nesta terça-feira, 21, 16 pessoas por homicídio e crimes ambientais, além da própria Vale e da alemã Tüv Süd por crimes contra o meio ambiente. Entre os denunciados está o ex-presidente da Vale Fabio Schvartsman.
Em 25 de janeiro do ano passado, o rompimento da barragem de rejeito de minério da Vale, na mina Córrego do Feijão, matou 270 pessoas e deixou um imenso rastro de destruição.
Com o início da tramitação da ação penal, o MP/MG terá colocado em juízo ações relativas aos três eixos de sua atuação – socioambiental, socioeconômico e criminal.
A promotoria mineira explicou que o rompimento da barragem ocorreu por um problema de liquefação e que “ao menos desde novembro de 2017 era amplamente conhecido, discutido e calculado, dentro da empresa Vale, com apoio técnico da alemã Tüv Süd, os riscos inerentes da liquefação e erosão interna – risco que se concretizou em 25 de janeiro de 2019“.
Durante coletiva de imprensa da apresentação da denúncia, o parquet mineiro e a Polícia Civil apontaram que o conjunto de ações e omissões dos ora denunciados acabararam demonstrando que assumiram o risco de resultado que acabou ocorrendo. Com relação ao ex-Ceo da Vale, o parquet afirmou que assumiu “riscos inaceitáveis” com o foco de manter a reputação da mineradora, atuando “para criar a falsa impressão de segurança da Vale”, inclusive com “declarações falsas técnicas e corporativas”.
“A intensa cobrança de efetivos resultados reputacionais se demonstrou na prática muito superior à superficial “cobrança de papel” dos resultados de segurança de barragens. Esse descompasso gerou perversos incentivos corporativos que levaram à assunção de riscos proibidos, graves e intoleráveis. Ou pior: barreiras informacionais eram utilizadas na tentativa de evitar que detalhes dos riscos inaceitáveis fossem disponibilizados para o Poder Público e para a sociedade, ou mesmo fosse formalmente detalhados para a alta cúpula.”
Conforme a peça acusatória, a cobrança de objetivos de “valor de mercado” (traduzida em manter inabalável a reputação positiva da Vale) foi muito superior aos incentivos para perseguir seriamente a efetiva “segurança de barragem”. “A cobrança corporativa se limitava ao escudo da emissão de DCEs positivas, que mantinham a imagem da VALE e desviavam o foco da fiscalização e controle para os seus concorrentes no mercado minerário.”
- Confira a íntegra da denúncia.
“Risco assumido”
A denúncia do MP/MG tem mais de 460 páginas. De acordo com a acusação, os crimes de homicídio foram praticados mediante recurso que impossibilitou ou dificultou a defesa das vítimas, eis que o rompimento da Barragem I ocorreu de forma abrupta e violenta, “tornando impossível ou difícil a fuga de centenas de pessoas e o salvamento de outras centenas de vítimas“.
Na peça, os promotores lembram que o rompimento foi abrupto, uma vez que, desde os primeiros sinais da ocorrência da liquefação até o efetivo impacto do fluxo de lama nas estruturas administrativas do Complexo Minerário do Córrego do Feijão, decorreram apenas poucos segundos.
“O rompimento foi violento, pois causou o fluxo de cerca de 9,7 milhões de m3 de rejeitos de mineração que estavam depositados na Barragem I, de forma que a lama atingiu em poucos segundos alta velocidade, vindo a atingir e destruir furiosamente tudo o que estava no seu caminho. Equipamentos pesados como tratores, retroescavadeiras e enormes vagões foram arrastados e retorcidos. Os corpos das vítimas, em sua grande maioria, foram violentamente mutilados em centenas de segmentos corpóreos. Segmentos de uma mesma pessoa foram encontrados em vários locais, distantes uns dos outros, demonstrando que o tsunami de lama causou verdadeira trituração das vítimas.“
Os promotores afirmam que a dificuldade/impossibilidade de defesa das vítimas “era inerente ao próprio risco assumido por todos aqueles que conheciam a situação de insegurança da estrutura“.
“A forma abrupta e violenta do colapso e a consequente impossibilidade/dificuldade de que as pessoas a jusante da estrutura se defendessem eram parte necessária do processo de rompimento, sem alertas para as pessoas em zona de autossalvamento.”