Licenciamento ambiental: Falta de orientação e de atualização em legislações gera prejuízos a produtores rurais baianos; especialistas dão dicas para evitar punições

Um grupo de produtores rurais da região do Baixio de Irecê procurou diversos municípios para retirar as licenças ambientais necessárias para atividades agrícolas. Após semanas sem respostas e com informações desencontradas, buscaram a ajuda de contatos na gestão estadual para resolver o impasse. Só então os produtores foram informados de que estavam procurando ajuda no lugar errado. Esta é a realidade de centenas de produtores espalhados pelos 417 municípios baianos, que ainda enfrentam dúvidas e orientações equivocadas, e acabam pagando multas milionárias por erros que poderiam ser evitados.

Desde 2012, uma mudança na lei definiu competências, critérios e diretrizes relacionados à regularização ambiental no estado da Bahia e a melhoria dos instrumentos de controle ambiental (licença, fiscalização e monitoramento). Desde então, a regularização ambiental no Estado da Bahia é de responsabilidade do Instituto do Meio Ambiente e Recursos Hídricos (Inema).

O decreto nº 14.024/2012, em seu artigo nº 145, I e II, prevê que: “Compete aos órgãos municipais de meio ambiente promover o licenciamento e a fiscalização ambiental das atividades ou empreendimentos: que causem ou possam causar impacto ambiental de âmbito local, conforme tipologia definida pelo CEPRAM, considerados os critérios de porte, potencial poluidor e natureza da atividade; ou localizados em unidades de conservação instituídas pelo Município, exceto em Áreas de Proteção Ambiental – APAs”. A lista taxativa de empreendimentos e atividades considerados como de impacto local, para efeito de licenciamento ambiental pelo Município, consta no site do Sistema Estadual de Informações Ambientais e Recursos Hídricos (acesse aqui).

Mas algumas gestões municipais, induzidas pela falta de atualização da própria legislação e por falta de equipes especializadas, continuam emitindo essas autorizações. Segundo os especialistas em direito ambiental, Raphael Leal e Otávio Leal Pires, um dos problemas é a falta de atualização das leis municipais que orientam o trabalho dos gestores das cidades.

“A falta de atualização da legislação termina induzindo todos a erro. Como a lei municipal autoriza e o Município entende a atividade agrícola como sendo de ‘impacto local’, termina por emitir equivocadamente as licenças por lá”, avaliou Raphael. “Nós somos procurados por municípios em busca de revisão das leis ambientais. E é possível notar que a maioria das legislações municipais foi feita antes desse Decreto e de algumas leis federais”, completou Otávio.

Entre as licenças que devem ser solicitadas ao Inema estão serviços como o de supressão de vegetação, produção rural, desenvolvimento de agricultura irrigada, agricultura de sequeiro, pecuária extensiva (gado solto) ou de confinamento e perfuração de poços. “O produtor muitas vezes não licencia a atividade, ou solicita a licença no órgão errado, o que é ruim para ele. Porque tirando a licença no órgão errado, quando o Inema for fiscalizar ele vai estar irregular. Não vai adiantar mostrar uma licença municipal e dizer: ‘Olha aqui, estou com a autorização’, porque ela não vale”, lamentou Raphael.

Os especialistas afirmam que produtores que desconhecem a lei acabam sendo induzidos ao erro.

“Em uma consultoria como a nossa, por exemplo, o trabalho jurídico atua em conjunto com a equipe técnica, geólogos, geógrafos, biólogos, engenheiros florestais… Nós temos que trabalhar juntos, um não anda sem o outro”, alertou Raphael, apontando ainda a necessidade de uma equipe capacitada não só para o processo de licenciamento, quanto para a própria execução do serviço. “Nós temos clientes que, por uma deficiência na consultoria ou falta dela, desviam o curso de um rio, fazem captação irregular de água e suprimem vegetação sem o devido critério”, apontou o advogado. “Tivemos um caso recente em que o cliente obteve uma outorga para captar a água em um local, e, por uma indução do técnico dele, foi orientado que não teria problema captar mais à frente. Só que essa decisão muda tudo e aí vem a fiscalização”, reforçou Otávio.

Dependendo do licenciamento, o documento pode ser obtido dentro de um prazo que varia de 3 meses a até um ano, a partir do grau de complexidade. Só que, segundo os especialistas, muitos produtores perdem muito mais tempo buscando os órgãos errados. “Ainda que demore um pouco mais, fazendo o procedimento da forma correta, você vai estar legalizado e tranquilo para operar”, reforçou Raphael, alertando que para quem não estiver com a documentação correta, as multas podem chegar a patamares milionários, principalmente se houver agravantes. Entre esses casos estão áreas desmatadas que registrarem espécies protegidas, como o pequi, comum no cerrado, ou o licurizeiro, na caatinga. “O que seria uma multa de R$ 100 mil, por exemplo, quando há espécies protegidas pode se transformar em R$ 1 milhão”, exemplificou Otávio.

Raphael alertou, ainda, que a multa não é o único problema para quem produz com a falta das licenças necessárias, e algumas punições têm impactos muito maiores. “A interdição da área é algo brutal. Porque além de ficar com a terra embargada, às vezes o produtor perde a janela climática da produção, por exemplo, ou não consegue um empréstimo no tempo adequado”. Nestes casos, segundo os especialistas, a área só é liberada depois de uma defesa jurídica e técnica, que precisam estar de mãos dadas, bem como da apresentação dos estudos e planos técnicos para recuperação da área, além do prazo completo para tirar o licenciamento correto.

Otávio adicionou que, após uma resolução do Banco Central, há uma comunicação obrigatória dos bancos com o sistema de alerta MapBiomas. “Esse conjunto de satélites faz uma varredura com imagens, e se ele identifica um desmatamento relevante em determinada área, ele envia para o sistema bancário e para os órgãos ambientais. E aí, se você vai tentar um financiamento, ele vai consultar se há um alerta. E se houver, só é liberado após regularização e defesa. Muitas vezes, é preciso utilizar a via judicial, mas nossa atuação normalmente ocorre na via administrativa, prezando sempre pela prevenção e pela agilidade na resolução do problema”.

Assim, os advogados resumem que, quanto mais protegidos e bem orientados os produtores estiverem, menor a chance de terem dor de cabeça no futuro: “Não adianta ter o melhor trator, o melhor sistema de irrigação, e não investir em uma boa equipe para poder auxiliá-lo e defender seus interesses. É sempre importante ter uma consultoria ambiental especializada, técnica e jurídica, para acompanhar esses processos. Isso auxilia tanto no tempo da licença, quanto no êxito do processo”.

Procurada pelo Bahia Notícias, a União dos Municípios da Bahia (UPB) reforçou que a matéria ambiental tem competência concorrente, “sendo o Estado competente para legislar sobre o tema, resguardadas as competências exclusivas da União”. “Cabe ao Município o licenciamento de empreendimento ou atividade de impacto local [nos limites da lista estabelecida pelo CEPRAM], obrigando-se o mesmo a cumprir, para exercício desta competência, as condições de dispor de infraestrutura administrativa na área ambiental, de conselho municipal de meio ambiente e de equipe técnica especializada”. Questionada se há cursos específicos que orientem sobre esses licenciamentos, a associação informou que dispõe “de assessoria jurídica para tirar dúvidas e orientar os gestores sempre que necessário quanto à aplicação da lei”.

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